Um Legado de Fé e Resistência Cultural
Nesta sexta-feira (26), Mãe Carmen de Oxaguiã, renomada ialorixá do Terreiro do Gantois, partiu aos 98 anos em Salvador, Bahia. A data da sua morte coincide com a sexta-feira, um dia sagrado consagrado a Oxalá, orixá da criação e da paz, a quem ela dedicou sua vida.
Nascida e criada dentro dos fundamentos do Gantois, Mãe Carmen, filha biológica e espiritual de Mãe Menininha do Gantois, se tornou a líder do terreiro em 2002, sucedendo sua irmã, Mãe Cleusa. Sua trajetória à frente do terreiro foi marcada por um profundo comprometimento com a preservação da ancestralidade afro-brasileira e a resistência cultural, consolidando o Gantois como um espaço vital para essas tradições.
O Terreiro do Gantois, que carrega um histórico forte de intersecção entre o sagrado e a cultura brasileira, mantém laços estreitos com figuras ilustres, como a cantora Maria Bethânia. Introduzida ao terreiro por Vinícius de Moraes na década de 1970, Bethânia foi iniciada no Candomblé em 1981 pelas mãos de Mãe Menininha e frequentemente homenageia a tradição em suas canções, como em “Oração de Mãe Menininha”. Sua profunda conexão com o terreiro e sua família foi reafirmada na sequência de homenagens que se seguiram à partida de Mãe Carmen, incluindo uma postagem tocante em suas redes sociais, onde expressou sua “profunda reverência”. A postagem incluía uma fotografia de Mãe Carmen projetada durante um show, simbolizando a influência e o respeito que ela sempre teve.
A apresentadora Regina Casé também fez questão de se manifestar, publicando um emocionante texto em tributo à ialorixá, ressaltando momentos preciosos que viveu ao lado dela. “Difícil se despedir dessa mãe, vovó, amiga de tantas risadas, beijinhos e carinhos sem ter fim. Como vai ser chegar na Bahia e não correr pra esse colo… Que vida plena!”, escreveu Regina, recordando a importância de Mãe Carmen em sua vida, tanto no Rio de Janeiro quanto em Salvador.
O Terreiro do Gantois, em nota oficial, descreveu Mãe Carmen como uma “guardiã da ancestralidade”, destacando que sua vida foi marcada por uma missão espiritual. “Nada em seu caminho foi acaso, foi legado, destino, desígnio dos Orixás. Mãe Carmen foi farol, colo, caminho e fortaleza”, diz a nota, sublinhando o impacto significativo que teve na vida de muitos.
Bruno Monteiro, secretário de Cultura da Bahia, também lamentou a perda, destacando Mãe Carmen como uma figura fundamental na luta pelas religiões de matriz africana. Para ele, seu legado é sinônimo de fé, espiritualidade e resistência cultural: “Uma liderança religiosa que fortalece a nossa cultura e nossas lutas por igualdade”, afirmou.
A Secretaria Estadual de Cultura da Bahia (Secult-BA) reiterou a importância dos terreiros na formação da cultura brasileira, afirmando que lideranças como Mãe Carmen são essenciais na preservação de saberes milenares. Mãe Carmen deixa um legado que transcende gerações, com duas filhas que já atuavam ao seu lado, além de três netos e quatro bisnetos, que darão continuidade ao trabalho no Terreiro do Gantois, mantendo viva a tradição iniciada no século XIX.
Detalhes sobre o velório e o sepultamento, que seguirão rituais específicos do Candomblé, ainda não foram divulgados pela família.
